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Se estiver a ser agredida/o ou em perigo, peça ajuda.

Linha de Emergência 112 - Linha de Violência Doméstica 800 202 148

Serviço de Atendimento a Vítimas de Violência Doméstica de Cascais. Projeto gerido pela CooperActiva e co-financiado pela Câmara Municipal de Cascais.

 

"Casei em 1968 e ainda estou casada. Tivemos duas filhas, mas não tivemos intimidade durante 40 e tal anos. No início houve alguns momentos agradáveis, não posso dizer que não, mas depois do nascimento da minha filha mais velha, cerca de dois anos após o casamento, ele começou a maltratar-me. Acho que ele tinha ciúmes da miúda. Dizia: tu és mãe, não és mulher, e dizia-lo a toda a gente à minha frente, aproveitava todos os motivos para eu me sentir mal, para me rebaixar, para me humilhar.
E foi sempre se agravando. A determinada altura começou-me a agredir não só por palavras, como também por ações. Atirava com tudo, partia coisas em casa. Gritava muito, todos os dias. Aquilo era uma vergonha com os vizinhos. Eu tinha muita vergonha. Partia coisas em casa, por exemplo, eu tinha umas panelas, e ele com a machada partiu-as todas. A partir do quarto ou quinto ano de casados começou o problema do dinheiro pois ele queria geri-lo, mas eu não queria. Ele deixou de levar dinheiro para casa. Felizmente em termos financeiros, sempre fui independente. O que seria de mim se não fosse independente! Pagar as despesas tornou-se muito complicado, muito difícil. Muitas vezes tive de pedir dinheiro. Ele raramente comparticipava nas despesas da casa. Tinha de pagar a renda, alimentação, água e luz. E mais tarde a faculdade das miúdas. Com o decorrer dos anos, ele lá começou a dar dinheiro, muito contado, mas ia dando. A minha sorte é que eu ganhava relativamente bem.
Eu tinha um defeito. Nunca disse nada a ninguém. Nunca desabafei com ninguém. Estava a trabalhar e ia para a casa de banho chorar. Só me levantava da minha secretária para chorar. Toda a gente via que estava triste, mas as pessoas não sabiam porque era. Nunca me queixei. Assim, durante anos e anos fui maltratada psicologicamente por palavras, por ações e às vezes fisicamente.
Mas um dia as agressões físicas descambaram. Ele já por várias vezes tinha-me dado uma lambada, mas desta vez foi diferente. Ele ia a conduzir e de repente começou-me a bater. A minha cara transformou-se num bolo, já nem a sentia de tanta bofetada que levei. Deu-me uma e apanhou o nariz tendo saltado muito sangue. Ele quando viu o sangue parou. Chamei a polícia. Quando esta apareceu interrogou-nos e chamaram o INEM e fui para o Hospital de Cascais. Quando sai do hospital fui para casa da minha filha pois ele foi para a nossa. Entretanto, a polícia tinha-me dado uns panfletos, um do Espaço V e outro da APAV. Depois deste episódio, saía de casa de manhã, chegava à noite sem comer nada e caminhava o dia inteiro. Caminhava, só caminhava, rompi sapatos, estraguei três pares de sapatos, gastos de tanto andar. Não conseguia estar em casa, não conseguia, estava a ficar maluca. As minhas filhas ainda ficaram lado do pai. Ele convenceu-as que eu era maluca, que tinha inventado que ele tinha amantes
e conseguiu virá-las. Porquê? Porque eu nunca me queixei, porque nunca disse nada. Guardei sempre tudo para mim.
Um dia, em 2021, olhei para os panfletos, que estavam em cima da mesa da sala, e pensei que na APAV devia haver muita gente, e decidi ligar para o Espaço V, devem-me ajudar. Liguei. Atendeu uma senhora que deve ter percebido que eu estava mal, disse-lhe que precisava de um psicólogo, que estava muito em baixo. Tinha tido um problema com o meu marido e havia um processo em tribunal.
Ter ligado e vindo ao Espaço V foi a minha salvação. E não fosse o Espaço V eu já não raciocinava e estava cada vez pior. Se nós não temos ajuda, ficamos malucas. Eu já tinha dado em maluca se não fosse o acompanhamento do Espaço V.
Atualmente a relação com as minhas filhas está um bocadinho melhor. Não está mal, acho que somos todas muito orgulhosos porque as minhas filhas discutiram muito comigo. Textualmente, as palavras do pai eram as palavras delas. Não me deram a hipótese de me explicar, de eu dizer nada. Passaram a opinião dele, a versão dele. Para as pessoas que estão numa situação semelhante àquela que passei aconselho para nunca se deixarem humilhar até ao extremo como foi o meu caso. Ninguém muda ninguém. Nunca deixem ninguém por o pé em cima. É um sofrimento muito grande. Não vale a pena discutir, é acabar, é sair airosamente." 

Alice, 60 anos.

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O meu primeiro contato com a violência doméstica foi durante a gravidez do nosso primeiro filho. Devido a esta agressão tive de recorrer as urgências, e assim iniciou-se um ciclo de agressões e urgências hospitalares.

Fui agredida várias vezes e em vários locais no meu corpo, algumas das quais poderiam ter resultado na minha morte…Para além da agressão física, também fui vítima de agressão psicológica, o que me levou a uma depressão profunda.

Não podia trabalhar, não podia ver amigos nem familiares. Como sempre fui boa aluna, tinha grandes expetativas para a minha vida, vários sonhos para perseguir, mas fui privada de todos eles. Como se não chegasse, ainda fui forçada a ser segunda titular de um crédito, que ele não pagou e que me persegue até hoje, razão pela qual ainda me sinto presa ao meu passado.

Sentia-me sozinha, sem ter a quem recorrer. Não me sentia protegida pela polícia, nem apoiada pelos serviços sociais e estava totalmente abandonada pela família.

A intensidade das agressões aumentou com a segunda gravidez, levando a que fosse internada por vários dias no hospital. Nesta altura umas amigas entraram em contato com uma instituição para me ajudar. Através desta associação conheci a Umar e secretamente programei a minha fugida.

Esta deu-se quando a casa onde morávamos incendiou-se misteriosamente…Conseguimos sair ilesos e fomos levados para uma pensão pela Proteção Civil. Daí fomos para um abrigo temporário e mais tarde para a nossa primeira casa de abrigo.

Devido a falhas de segurança fomos transferidos para outra casa de abrigo e mais tarde, novamente pelo mesmo motivo, fomos para a nossa terceira casa de abrigo.

Após este período de “anonimato” fui viver para casa de uma irmã e mais tarde consegui alugar uma casa. Nesta altura contei com vários apoios e não me senti tão sozinha. Várias instituições tentaram nos ajudar e após muita luta, muito sofrimento, muita espera conseguimos a nossa casa.

Concluído este processo, iniciou-se a batalha judicial. Este período foi muito traumatizante para mim, porque tive de reviver por tudo aquilo pelo qual tinha passado. O julgamento foi muito penoso, mas fez-se justiça e o meu agressor foi condenado, apesar de a pena ter sido suspensa. Ainda foi condenado a pagar-me uma indeminização, mas esta nunca me pagou e certamente nunca me pagará. Agora aguardo apenas o processo de regularização do poder paternal.

Este processo tem sido demorado, mas aos poucos vou-me libertando de tudo o que me aprisiona, pelo menos psicologicamente. Ainda não consegui realizar os meus sonhos, como ir para a universidade, tive de abdicar em prole dos meus filhos. Tenho dois a frequentar, um a caminho e mais uma em lista de espera. Mas não desisti, um dia vai chegar a minha vez. Até lá vou lutando, sinto que apesar de tudo o que sofri continuo a pagar, porque não me consigo livrar desta dívida que não é minha, mas que ele não faz questão nenhuma em pagar, prejudicando imenso a nossa vida. Mas continuei a lutar por mim e pelos meus filhos, e acredito que um dia seremos verdadeiramente livres.

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Sara, nov.2014

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O meu nome é Maria, tenho 3 filhos, 47 anos e sobrevivi à Violência Doméstica.

Conheci o meu agressor numa fase da minha vida em que estava psicologicamente fragilizada. Nessa altura ele foi gradualmente entrando na minha vida como um “apoio” e acabou por entrar para a minha casa e vida particular. Iniciou-se uma fase de “Lua de Mel” onde me demonstrava carinho apoio e se declarava com frases de amor incondicional. Pouco tempo depois, talvez 2 meses passamos a uma fase de grande tensão, mentiras, manipulação, pressão constante, controlando-me 24 horas por dia, demonstrando um ciúme infundado, acusando-me de ter amantes. Acabei por perder a guarda dos meus 3 filhos. Sozinhos em casa as agressões e o controlo intensificaram-se. O arrependimento, pedidos de desculpa, e promessas que não aconteceria mais passaram a ser cada vez menos, as agressões cada vez mais frequentes e as ameaças constantes. Fiz várias queixas junto da PSP que invariavelmente na fase de inquérito me remetia ao silêncio. Deixei de conseguir trabalhar com a paz, concentração e dedicação que sempre tive. Fiz várias tentativas de sair de casa mas acabava sempre por regressar…

No dia 30 de Dezembro de 2013 após uma violenta agressão sai de casa rumo ao hospital acompanhada pelo INEM e PSP, apresentei nova queixa, poucos dias depois regressei e fui novamente agredida ainda mais violentamente, negou-me assistência médica, fechando-me em casa para que ninguém visse o estado em que estava. 3 dias depois consegui fugir, fui à PSP fiz um aditamento à queixa anterior e nunca mais voltei atrás. Já não tinha os meus filhos comigo, a empresa que tive durante 20 anos tinha ido à falência.

Durante praticamente 1 ano com o apoio incondicional do Espaço V dediquei-me a reaver a minha vida. Um ano muito duro, mas cheguei à fase de julgamento em tribunal, aguardo sentença. Um percurso difícil a todos os níveis mas que me permitiu hoje estar viva, a recomeçar uma vida nova e dar o meu contributo para que outros consigam chegar onde cheguei. No fundo o que é 1 ano em 47, muito pouco. Sei que hoje não estaria aqui para muito resumidamente contar a minha história sem o Apoio do Espaço V.

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Maria, nov.2014

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